Leia a parte 1 de O LICEU
Tomás, a diretora está te chamando – disse a coordenadora Paula.
-Obrigado, Paula.
Tomás encaminhou-se para a sala da direção. Mancando da perna direita, e com um copinho de café na mão esquerda, com muita fadiga apresentou-se para Helena.
-Bom dia, diretora Helena!
-Bom dia, Tomás. Você soube o que aconteceu?
-Não, senhora.
-Não viu nenhum movimento estranho?
-Muitos alunos reunidos, imagino que para a recepção dos calouros.
-Tomás, eu recebi informações de que o Conrado quase foi morto.
-O quê? Isso não é possível. Hoje é o primeiro dia de aula, Helena, esses alunos vão sair por aí contando mentiras, para você, para mim, e amanhã nem lembraremos do rosto deles. É preciso ter calma e…
-Quer me ensinar meu trabalho?
-Não, Helena, eu…
-Pois Tomás, peço que faça agora o seu. Descubra o que aconteceu, se o Conrado está bem, e controle qualquer problema, grande ou pequeno.
-Sim, senhora.
-Pode ir.
-Tenha um bom dia, Helena.
-Você também, Tomás. Um excelente!
Tomás encostou a porta com toda delicadeza e fechou sua mão esquerda com toda força que tinha. O café espalhou-se pelo chão e respingou em sua blusa. Descartou o copinho, e foi investigar. A maioria dos alunos estava no refeitório para ouvir o discurso de boas vindas dos veteranos, mas ele não queria saber deles. Os malditos alunos não respeitavam ele, o olhavam com desprezo. Em contrapartida, ele os odiava. Seguiu direto pelo corredor, virou a esquina e recostou-se sobre a porta da última sala. O ouvido estava grudado na madeira. Parou de respirar, e alguns dirão que teria transformado o coração em pedra para ouvir em absoluto algum som. Ouviu. Ia entrar. A seu pedido, as maçanetas de todas as salas que não guardassem materiais foram arrancadas.
-Que bonito! – gritou Tomás escancarando a porta.
-Pe… – começou a balbuciar um aluno.
-Calado! Seus lixos! Vocês querem fazer dessa escola a casa de vocês? Que imundície, que vergonha! Tenham vergonha! – o rosto dos alunos expressava extremo medo – Você, saia daqui – disse para um, e para outro – você, fique.
-Tomás, por favor… – começou a dizer o que foi mandado embora.
-Vá! – esbravejou Tomás, como que possuído pela própria Fúria.
O menino correu e Tomás voltou-se para o aluno abandonado, segurando com firmeza em seu ombro e dizendo em voz suave: – Sabe o que aconteceu com o Conrado?
-Não.
-Não o quê?
-Não sei.
-Tem certeza?
-Soube que…perto do banheiro feminino, levaram ele para lá. Soube que não bateram, só avisaram.
-Avisaram o quê?
-Que ele fez algo de errado, eu não sei o que houve.
-Então nem encostaram nele?
-Não.
-Entendo – Tomás colocou o aluno contra a parede e aproximou-se tremendamente sobre ele – Que eu não te encontre mais fazendo essas coisas. Isso é pelo seu bem, entende isso? – o aluno não conseguiu dizer nem uma sílaba – Entende?
-Sim, a culpa é minha – respondeu quase que em um sussurro.
-Pode ir.
Tomás gostava do seu papel no Liceu. Era sua função ordenar a escola, sua missão tornar o Liceu um grande colégio novamente. Para cumprir essa missão, faria tudo que estivesse ao seu alcance. Os alunos, os professores, e a maldita Helena seriam reles obstáculos. Mais um pouco, mais um pouco e ele conseguiria.
-Seu Tomás? – disse o guarda da escola – Tudo bem?
-Ô, seu Sérgio! – disse Tomás em um sobressalto – O que faz aqui homem de Deus?
-Vigiando, seu Tomás, esses meninos vêm fazer esculhambação aqui por cima, nas salas lá de baixo. A Helena pediu para eu circular até os professores irem para as salas se apresentarem.
-Muito bem, muito bem – Tomás recuperou a respiração – Seu Sérgio, sabe me dizer se houve algo com o Conrado?
-O presidente?
-Ele mesmo.
-Ah, seu Tomás, coisa terrível! – Sérgio abeirou-se – Nem lhe conto…uns rapazotes pegaram o garoto e puxaram ele para perto do banheiro das meninas. Como todo mundo estava no refeitório viram ele sendo levado para lá, e foram atrás para ver a situação. Gritaram, ameaçaram, e o Conrado estava quase chorando porque um dos rapazes ia lhe dar uma paulada, mas eu me aproximei e os malandros foram embora. O Conrado passa bem, seu Tomás, fique tranquilo.
-Sabe me dizer o por quê?
-Do quê?
-Para eles terem pegado o garoto e ameaçado.
-Não sei seu Tomás, não sei. Deve ser por causa de mulher. Já viu a namorada do Conrado, não viu?
-Já sim.
-Pois é, seu Tomás, as pessoas crescem o olho.
-Verdade, seu Sérgio, crescem até demais. Vamos indo?
Caminharam juntos até a escadaria, de lá Sérgio seguiu com sua vigilância e Tomás parou de pé observando o pátio e pensando como era burra a hipótese de a fonte da briga ter sido a namorada do Conrado. Se houvesse alguma coisa envolvendo essa garota era para ter sido Conrado ameaçando alguém, e não o contrário. Sérgio era um mentiroso, mas útil para Tomás. Poderia usá-lo no futuro e depois descartá-lo. Por hora, tinha de descobrir o que realmente tinha acontecido.
-Quer ajuda Tomás? – perguntou Viviane, uma das alunas mais inteligentes do Liceu.
-Para quê, dona Viviane?
– Para descer.
-Me pergunte isso de novo e providencio sua expulsão.
-Sabe que não disse por mal.
-Sei. Agora vá.
Viviane foi-se e Tomás desceu, custosamente, em busca de Conrado. Encontrou-o sentado perto do banheiro feminino, com Júlia e uma moça ao seu lado.
-Conrado! O que houve?
-Sei tanto quanto você, Tomás.
-Não me venha com essa. Soube que foi agredido.
-Não fui, e se tivesse sido não contaria.
-Conrado, para o seu bem é melhor contar. Podemos te ajudar. Eu posso te proteger.
-Agradeço do fundo do meu coração, mas recuso. Fora das jaulas dos professores e coordenadores o Liceu é uma selva.
-Se é uma selva você precisa de força, da nossa força e apoio para ficar bem.
-Eu costumo dizer que só o poder separa os homens dos leões. Os leões têm força para reinar sobre a carniça, mas os homens têm poder para reinar sobre outros homens.
-Meu Deus, Conrado, veja o que está dizendo! Sua vida está em perigo!
-Está muito nervoso, Tomás. Calma, tudo irá resolver-se. Agora, preciso fazer o discurso de recepção. Juno, vem comigo?
-Sim. Vamos, Shérida.
“Que desgraçado!” pensou Tomás “Esse moleque que ainda mija nas cuecas se acha o quê? Indo discursar, estrelando…em breve…em breve ele irá me pagar por essa…! Em breve serei eu discursando, e o palanque será a carniça dele.”
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